Vejamos agora como se deve vencer o
mundo. O demônio é um inimigo terrível, mas o mundo é pior ainda. Se o demônio
não se servisse dele, isto é, dos homens maus, que compõem o que vulgarmente se
entende por mundo, não conseguirá as vitórias que obtém. O próprio Redentor nos
admoesta que nos acautelemos mais dos homens que do demônio (Mt 10,17).
Aqueles são freqüentemente piores do
que estes, porque os demônios fogem diante da oração e da invocação dos nomes
de Jesus e de Maria, mas os maus amigos, quando tentam arrastar alguém ao
pecado e se lhes responde com palavras edificantes e cristãs, longe de fugirem
e de se recolherem, cada vez mais perseguem o coitado que lhes cai nas mãos,
ridicularizando-o, chamando-o de néscio, covarde e destituído de caráter; e,
quando outra coisa não conseguem, tratam-no de hipócrita, que quer fingir
santidade. Certas almas tímidas ou fracas, para escapar a tais ataques e
zombarias, cedem àqueles ministros de Lúcifer e pecam miseravelmente. Fica
persuadido, portanto, meu irmão, de que serás menosprezado e exposto à zombaria
dos maus e dos ímpios, se quiseres viver piedosamente (Pr 21,27). O que vive
mal não pode tolerar os que vivem bem, porque a vida destes é para eles uma
contínua repreensão e, por isso, desejam que todos lhes sigam o exemplo, a fim
de atenuar o espicaçar do remorso causado pelo procedimento cristão dos demais.
O que serve a Deus, diz o Apóstolo,
tem que ser perseguido pelo mundo (2Tm 3,12). Todos os Santos sofreram rudes
perseguições. Quem foi mais santo que Jesus Cristo? E, no entanto, o mundo o
perseguiu até dar-lhe afrontosa morte de cruz. Isto não é surpresa, porque as
máximas do mundo são inteiramente contrárias às de Jesus Cristo. Ao que o mundo
estima, chama Jesus Cristo loucura (1Cor 3,19). Por sua parte, o mundo trata de
demência ao que é estimado por Nosso Senhor, como as cruzes, os sofrimentos e
os desprezos (1Cor 1,18). Consolemo-nos, todavia, que, se os maus nos censuram
e amaldiçoam, Deus nos louva e exalta (Sl 28).
Já não nos basta sermos louvados por
Deus, por Maria Santíssima, pelos anjos, pelos santos e por todas as pessoas de
bem? Deixemos, pois, que os pecadores digam o que quiserem e continuemos a
servir a Deus que é tão fiel e amoroso para aqueles que o amam. Quanto maiores
forem os obstáculos e as contradições que encontrarmos na prática do bem, tanto
mais acendrada será a complacência do Senhor e tanto maior o nosso mérito.
Imaginemos que neste mundo só Deus e nós existíssemos e, quando os mundanos nos
perseguirem, encomendemo-nos ao Senhor, agradecendo-lhe a luz com que nos
favorece e que nega a eles e prossigamos em nosso caminho. Nunca nos cause
rubor o sermos e parecermos cristãos, porque, se corássemos diante de Cristo,
ele se envergonharia de nós, segundo afirmou, e não nos receberia à sua direita
no dia do juízo (Lc 9,23).
Se nos quisermos salvar, é mister que
estejamos firmemente resolvidos a sofrer e a empregar constantemente violência
sobre nós mesmos. “O caminho que conduz à vida é estreito”. O reino dos céus se
alcança à viva força e só os que a empregam é que o arrebatam (Mt 7,14; 11,12).
Quem não fizer violência a si mesmo, não se salvará. Isto é imprescindível,
porque, se quisermos praticar o bem, teremos que lutar contra a nossa natureza
rebelde. É particularmente necessário violentarmo-nos no princípio para
extirpar os maus hábitos e adquirir os bons. Formado o bom costume, torna-se
fácil e até doce a observância da lei divina.
O Senhor disse a Santa Brígida que,
na prática das virtudes, os espinhos se mudam em rosas, quando, com valor e
paciência, sofremos as primeiras dores desses espinhos. Atende, pois, meu
irmão, a Jesus cristo, que te diz como ao paralítico: “Vê que já estás curado,
não peques doravante, para que não te suceda pior mal” (Jo 5,14). Pondera ainda
São Bernardo que, se por desgraça recaíres, tua ruína será pior que todas as
tuas quedas precedentes. Ai daqueles, diz o Senhor, que seguem o caminho do céu
e depois o abandonam! (Is 30,1) Serão punidos como rebeldes à luz (Jo 3,20). O
castigo desses infelizes, que Deus favoreceu e iluminou com suas luzes e que,
depois, lhe foram infiéis, é serem feridos de cegueira e morrerem assim nos
seus pecados. “Mas, se o justo se desviar de sua justiça... porventura viverá?
Não se fará memória de nenhuma de suas obras justas... morrerá por seu pecado”
(Sl 88,2).
Santo Afonso Maria de Ligório – Livro
Preparação para a morte, Consideração XXXI, ponto II.