“Mas as almas dos justos estão na mão de Deus, e nenhum tormento
os tocará”. (Livro da Sabedoria III,1)
Considerada a morte à luz deste mundo, nos espanta e inspira
temor; mas, segundo a luz da fé, é desejável e consoladora. Parece terrível aos
pecadores; mas aos olhos dos justos se apresenta amável e preciosa. Preciosa, —
disse São Bernardo — porque é o termo dos trabalhos, a coroa da vitória, a
porta da vida”. E, na verdade, a morte é termo de penas e trabalhos. O homem
nascido de mulher vive curto tempo e está sujeito a muitas misérias (Jó 14,1).
Eis aí o que é a nossa vida, curta e cheia de misérias, enfermidades,
inquietações e sofrimentos.
Deus chama bem-aventurados aos que morrem na sua graça, porque
acabam os trabalhos e começam a descansar. “Bem-aventurados os mortos que
morrem no Senhor. Desde hoje — disse o Espírito Santo — que descansem de seus
trabalhos” (Ap 14,13).
Os tormentos que afligem os pecadores na hora da morte não afligem
os Santos. “As almas dos justos estão nas mãos de Deus, e não os atingirá o tormento
da morte” (Sb 3,1). Não temem os Santos aquela ordem de sair desta vida, que
tanto amedronta aos mundanos, nem se afligem por terem de deixar os bens da
terra, porque nunca apegaram a eles o seu coração. “Deus do meu coração —
repetiram sempre; Deus meu por toda a eternidade” (Sl 72,26). Sois felizes, —
escrevia o Apóstolo a seus discípulos, que tinham sido despojados de seus bens
por terem confessado a Cristo. — Suportastes essa perda com alegria, sabendo
que vos esperava patrimônio mais excelente e duradouro (Hb 10,34). Não se
afligem os Santos por terem de deixar honras mundanas, pois sempre as
desprezaram e as tiveram na conta do que são efetivamente: fumo e vaidade, e
somente estimaram a honra de amar a Deus e de ser por Ele amados. Não se
afligem por terem de deixar seus parentes, porque somente os amaram em Deus, e,
ao morrer, os deixam recomendados àquele Pai celestial que os ama mais do que
eles; e esperando salvar-se, crêem que melhor lhes poderão ajudar lá no céu do
que ficando na terra. Em suma: todos aqueles que disseram sempre durante a vida
Meu Deus e meu tudo, repetem-no ainda com maior consolo e ternura no momento da
morte.
Quem morre no amor de Deus, não se inquieta com as dores que
acompanham a morte, antes se compraz nelas, considerando que a vida vai-se acabar
e que já não terá mais a sofrer por Deus nem a testemunhar-lhe novas provas de
amor. Assim, com afeto e paz, lhe oferece os últimos restos da sua vida e
consola-se, unindo o sacrifício de sua morte ao sacrifício que Jesus Cristo
ofereceu por nós na cruz a seu eterno Pai. Desta maneira morre satisfeito, dizendo:
“Em seu seio dormirei e descansarei em paz” (Sl 4,8). Que felicidade morrer
entregando- se nos braços de Cristo, que nos amou até à morte, e que quis sofrer
morte tão cruel para alcançar-nos morte doce e consoladora!
Lê-se,
na vida dos Padres, que um deles, de idade avançada, na hora da morte, ria-se
enquanto seus companheiros choravam. E como lhe perguntassem o motivo de seu
contentamento, respondeu: “E por que é que chorais, sendo que vou descansar de
meus trabalhos?”.
Também Santa Catarina de Sena disse ao morrer: “Consolai-vos
comigo, porque deixo este vale de lágrimas e vou para a pátria da paz”. Se
alguém — disse São Cipriano — habitasse numa casa cujas paredes ameaçassem
ruínas, cujo pavimento e teto estremecessem, quanto não desejaria sair dela?...
Nesta vida tudo ameaça ruína da alma: o mundo, o inferno, as paixões, os
sentidos rebeldes, tudo nos leva ao pecado e à morte eterna. Quem me livrará — ex-clamava
o Apóstolo — deste corpo de morte? (Rm 7,24). Que alegria sentirá a alma quando
ouvir: “Vem, minha esposa, sai do lugar do pranto, da cova dos leões que te
quiseram devorar e fazer perder a graça divina (Ct 4,11). Por isso, São Paulo,
desejando morrer, dizia que Jesus Cristo era a sua única vida, e que estimava a
morte como o maior tesouro que pudesse ganhar, já que por meio dela alcançaria
a vida que jamais tem fim (Fp 2,21).
Com
razão disse São Bruno que a nossa morte não se deve chamar morte, senão vida.
Daí vem o chamar-se nascimento a morte dos Santos, porque nesse
instante nascem para a bem-aventurança eterna, que não terá fim. “Para o justo
— disse Santo Atanásio — não há morte, apenas trânsito, porque, para ele,
morrer não é outra coisa que passar para a eternidade feliz. “Ó morte amável! —
exclama Santo Agostinho — quem não tem te desejará, pois és fim dos trabalhos,
termo das angústias, princípio do descanso!” E com instância pedia: Oxalá
morresse, Senhor, para vos poder ver! O pecador teme a morte — diz São
Cipriano, — porque da vida temporal passará à morte eterna, mas não aquele que,
estando na graça de Deus, há de passar da morte à vida.
Excerto do livro “Preparação para a morte” de Santo Afonso Maria
de Ligório.