terça-feira, 8 de setembro de 2015

A verdade e o número. Por Santo Atanásio.








Por Santo Atanásio*


Sermão de Santo Atanásio contra os que consideram o número como prova da verdade ou que não julgam de acordo com a verdade, senão, pelo número.

"De Deus devemos esperar a força e as luzes necessárias para combater a mentira e o erro e a Ele recorremos para obtê-las. Ele é o Deus da verdade, Ele nos tirou do seio do erro e da ilusão, Ele nos diz no fundo do coração: “Eu sou a Verdade”; Ele sustenta a nossa esperança e anima nosso zelo, quando nos diz: “Tende confiança, eu venci o mundo”.

Depois disso, como não sentir compaixão por todos os que só medem a força e o poder da verdade pelo grande número? Tem esquecido, conseguinte, que Nosso Senhor Jesus Cristo não elegeu, senão, doze discípulos, gente simples, sem letras, pobres e ignorantes, para opor-se, com uma misericórdia totalmente gratuita, ao mundo inteiro e que não lhes deu como única defesa, senão a confiança nEle? Ignoram, por acaso, que lhes deu como instrução a estes doze enviados não o seguir ao grande número e a estes milhões de homens que se perdiam, senão ganhar a essa multidão e comprometê-la a segui-los? Quão admirável é a força da Verdade! Sim, a verdade é sempre vencedora, mesmo que não esteja sustentada, senão, por um número muito pequeno. Não ter outro recurso, senão o grande número, recorrer a ele com uma muralha contra todos os ataques, e como uma resposta para todas as dificuldades, é reconhecer a debilidade de sua causa, é concordar com a impossibilidade em que se está de defender-se, é, em uma palavra, reconhecer-se vencido.

Que pretendeis, com efeito, quando nos objetais vosso grande número? Quereis como em outro tempo, levantar uma segunda torre de Babel para impor limites a Deus e atacá-Lo em caso de necessidade? Que exemplo o dessa multidão insensata!



Que o vosso grande número me apresente a Verdade com toda a sua pureza e seu brilho, estou disposto a render-me e minha derrota é segura; mas que não me dê como prova e razão nada mais que o seu próprio grande número e sua autoridade: é querer causar terror e dar medo, mas de nenhum modo irá persuadir-me. Se dez mil homens se houvessem reunido para fazer-me crer, em pleno dia, que é de noite, para fazer-me aceitar uma moeda de cobre por uma de ouro, para persuadi-me a tomar um veneno às claras e conhecido por mim, como um alimento útil e conveniente, estaria obrigado, por isso, a acreditar-lhes?

Por conseguinte, posto que não estou obrigado a crer no grande número, que está sujeito a erro em suas coisas puramente terrestre, porque quando se trata dos Dogmas da Religião e das coisas do céu, estaria eu obrigado a abandonar aos que estão apegados à Tradição dos seus Padres, a quem crê com todos os que existiram antes que eles o que se tem crido nos séculos mais remotos e confirmado, ademais, pela Sagrada Escritura? Porque, digo, estaria eu obrigado a abandoná-los para seguir uma multidão que, de alguma forma, não prova o que se afirma? Acaso o Senhor mesmo não nos disse que haveria muitos chamados, mas poucos escolhidos, que a porta da vida é pequena, que a estrada que leva a ela é estreita e que são poucos os que a encontram? Por conseguinte, qual é o homem razoável que não prefere ser deste pequeno número que entra na vida eterna por este caminho estreito, a ser do grande número que corre e se precipita a morte pelo caminho largo? Quem de vós outros, se tivesse estado nos tempos em que Santo Estevão foi apedrejado e expulso aos insultos do grande número, não tivesse preferido e, inclusive, não tivesse desejado ser do seu partido, mesmo que ele estivesse sozinho, antes que seguir ao povo, que, por testemunho e a autoridade da multidão, acreditava estar na verdadeira fé?

Um só homem de probidade reconhecida merece mais fé e mais atenção que outros dez mil que não contam, senão, com o seu número e seu poder. Buscai nas Escrituras y encontrareis as provas. Leia o Antigo Testamento, ali vereis Fineés [neto de Arão, Êxodo 6,25) quem se apresenta diante do Senhor e sozinho apazigua Sua cólera e faz cessar a matança dos israelitas, dos que acabavam de se perecer vinte quatro mil. Se se tivesse contentado com dizer-se então, quem ousará opor-se a um  número tão grande que está unido para cometer o crime? Que posso contra a multidão? Do que me serviria opor-me ao mal que cometem com vontade plena? Haveria trabalhado valentemente e tinha detido o mal que cometia o grande número? Não, sem dúvida, o resto dos israelitas teria perecido e Deus não teria perdoado a este povo graças ao zelo de Fineés. É necessário, por conseguinte, que se prefira o sentimento de um homem com probidade, que trabalha e fala com liberdade que dá a Religião, que as opiniões e as máximas corrompidas de um multidão.

Enquanto a vós outros, segui, se quereis, o grande número que perece nas águas e abandona a Nóe, o único que é conservado, mas ao menos não me impedis salvar-me na Arca com o pequeno numero. Segui, se quereis, ao grande número dos habitantes de Sodoma, enquanto a mim, eu acompanharei a Ló; e mesmo que ele esteja só, não abandonarei para seguir a multidão da que se separou para buscar sua salvação.

Não creias, contudo, que desaprecio o grande número; não, o respeito, e sei os cuidados que se deve ter com ele: mas é esse grande número que dá prova e faz ver a verdade do que afirma, e não este grande número que teme e evita discussão e o exame; não esse grande número que aparece sempre disposto ao assalto e que ataca com orgulho, senão este grande número que repreende com bondade; não este grande número que triunfa e se compraz com a novidade, senão, este grande número que conserva a herança que seus Padres lhes legou e está apegado a ela.

Mas, quanto a vós outros, qual é esse grande número que jactais? Que dizer dos indivíduos vencidos, seduzidos e ganhados pelas carícias, os presentes e dos indivíduos cegos e arrastados por sua incapacidade e sua ignorância, dos indivíduos que, uns por timidez e outros por temor, sucumbem ante vossas ameaças e vosso crédito, dos indivíduos que preferem um prazer de momento, mesmo que pecando, à vida que deve ser eterna?

Assim, por conseguinte, pretendeis sustentar o erro e a mentira por meio do grande número, e estabelecê-lo com prejuízo da Verdade, que um grandíssimo número não se enrubesceu em confessar publicamente a despesa de sua vida? Ah, por certo, fareis ver a magnitude do mal e fareis conhecer a profundidade da chaga, pois a desgraça é tanto maior quanto mais indivíduos se encontram envolvidos nela!

Não sigais a multidão para fazer o mal, nem o juízo te acomode ao parecer do maior número, se com eles te desvias da verdade." (grifos nossos)

*Tradução livre feita por este blog. Ao compartilhar o texto, favor citar a fonte. Texto original extraído daqui.